27.3.13

Fading


Acho que eu estou desaparecendo. Aos poucos me vejo menos conectado a qualquer um e a qualquer coisa. É como se meu reflexo estivesse se esvaindo no espelho, como se minha sombra resolvesse sair de perto pra dar uma volta pela quadra. Sinto como se todo mundo tivesse desistido de mim. Justamente no momento em que eu mais preciso. Fico torcendo, rezando e implorando pro acaso pra que seja uma coisa acidental, sabe? Como se todos os meus amigos e ex-namoradas estivessem no momento mais ocupado de suas vidas. Como se todos tivesses seus prazos atrasados e contas a pagar vencidas. Como se o mercado estivesse num alvoroço por causa da crise no Chipre e por isso ninguém mais tem tempo pra mais nada. Vai ver é isso. Vai ver eu preciso segurar as pontas por enquanto, sem pensar em morte ou auto-flagelação. De repente eu preciso aguentar um pouco, tomando vodca e fumando meu cigarro na janela, assim como tenho feito nos últimos sete meses. De repente passa, de repente as coisas voltam ao normal e as pessoas deixam de fingir que eu não existo.

Vai ver eu não tô sumindo nem desaparecendo nem morrendo por fora. Vai ver eles estão avoados. Perguntei pra ela hoje e ela confirmou. A correria é grande. Não tive coragem de elogiar os olhos nem o cabelo. Sentia vergonha. Não vergonha tímida, vergonha de fazer aquilo mesmo. Vergonha de estar agindo de forma errada. Mas deixei pra lá. As pessoas se ocupam de vez em quando mesmo, não podemos controlar. Eu mesmo tive meus dias de ocupação extrema. Foram poucos dias, claro. Trabalho rápido, fumo rápido, bebo rápido, como rápido, ando rápido. Faço tudo às pressas e acabo não conseguindo aproveitar merda nenhuma. Ou o café esfria ou eu passo mal de tão rápido que bebo. A vida não tem me ajudado no quesito velocidade e fluidez. De repente eu passei tanto tempo andando mais rápido que os outros, que agora que eu diminuí (involuntariamente) meu ritmo, fiquei pra trás.

Meu mais gigantesco e assombroso medo é ter que correr atrás do prejuízo. Ter que buscá-los. Porque eu já estive lá, eu já sei como é. Não quero isso pra ninguém. Quero essa vida simples de quem se tatua com caneta esferográfica e trabalha pra passar o mês seguinte comendo Doritos. Sou um adolescente patológico. Tenho vergonha de admitir. Não queria mesmo ter que correr atrás e alcançá-los. Queria que todo mundo reparasse no amigo que ficou pra trás, e num gesto micro de amizade, me esperasse um pouco, ou me puxasse pra junto deles.

A parte patética é que eu não tenho nenhum amigo assim. E hoje, quando conversei com quem mais me faz feliz, sequer consegui dizer pra me esperar. Simplesmente disse ‘vai lá, você tem coisas pra fazer, eu fico esperando aqui’. A minha vida tem um nível de acontecimentos tristes e humilhantes fora do convencional. Às vezes me sinto numa peça de teatro independente. Daquelas com cenário descascando e microfone com ruído. Algumas luzes estão queimadas, o tablado fica rangendo e eu não desisto. Continuo meu show de horrores até que os aplausos cheguem. Já vi bastante gente saindo antes dos aplausos. Simplesmente não conseguiram aguentar. Foram-se uma, duas, três, quatro, sete pessoas. Talvez mais, não consegui contar. E os poucos que continuam assistindo já estão bocejando. E pra cada bocejo, mais e mais eu me esforço. Meus pés já sangram, e o suor escorre pela testa, pelas costas. Eu estou dando meu melhor aqui, e meu melhor não diverte vocês.

De repente eu devia me fingir de morto. Só pra ver.