19.3.13

Conversa

Imagino a mão dela repousando suave sobre a mesa. Tamborilando os dedos na madeira fria e decidida, começando a digitar. Meu coração pára por alguns segundos, enquanto aquele texto cinza acusa sua ação há quilômetros de onde estou. Antigamente seriam dias ou semanas de espera para receber sua carta, e eu teria que sobreviver. Hoje, os poucos segundos que antecedem a resposta me fazem sangrar pelos ouvidos. A resposta é eterna, e o relógio digital parece embaralhar os números e retroceder a contagem. Nada mais se move no escritório. Tudo estático e mudo. O tempo congela e brinca comigo.

A mensagem aparece.

Nada como eu esperava. Ela não escreve sobre como gostaria de conhecer o mundo ao meu lado, ou como não conseguiria sobreviver a este inverno sem meu corpo na sua cama. Não confessou me amar desde a primeira vez que nos vimos e muito menos me disse ter uma paixão secreta por mim nas últimas semanas.
Contou sobre a doença da mãe, uma complicação no trabalho, alguns problemas na faculdade. Problemas cotidianos. Problemas sutis e sempre presentes. Problemas que não chegam aos pés do sofrimento do lado de cá do teclado.

Tecnologia é uma merda fervente.

Começo a pensar que talvez a solução seja tomar um banho, uma vodca, um táxi. Rápido, motorista. É a minha felicidade que está em jogo. É pelo meu futuro que você corre feito louco e fura cada sinal vermelho a nossa frente. Você, hoje é meu Sancho Pança, e nenhum Moinho de Vento ou Bela Vista impedirá nosso triunfo.
A vontade fica fraca. Tem aquele pedaço de bom senso enterrado fundo no cérebro, entre o vício por cigarro e as lembranças de gritos durante a minha infância no banheiro de casa. Fico parado. Meu conceito de distância se perdeu. Um enter, um email, uma mensagem de texto, uma ligação. Tudo bem fácil, tudo muito alcançável. Mas nada disso é funcional. Nada disso traria o ar de volta ao meu peito.

A resposta inevitável.

Um conselho, um alento, um conforto. Uma mensagem positiva pra ela. Tudo que não existe na minha vida. Eu uso meu positivismo pra tirar as manchas de vômito do meu vaso sanitário. Otimismo e bom-humor eu misturo junto com o lixo orgânico e com as latas de cerveja. Quero que o mundo agonize enquanto eu estiver aqui. Quero ver tudo isso indo pra merda.
Pra ela sempre existe um lampejo de exceção. Um tapinha nas costas virtual. Um 'tudo vai acabar bem'. Meus problemas podem esperar até que eu chegue em casa. Trato deles com uma boa dose descontaminante de vodca com suco de laranja. Desinfeto todos os males que me afligem. Na bula não diz, mas o efeito dura de 4 a 5 horas. É o suficiente.

Frustração cotidiana

Ela tem que ir. Ela sempre tem. Eu que fico parado. Ela tem trabalho, tem faculdade, tem uma vida cheia de detalhes e relevâncias. Eu fico aqui barbudo, sujo e vomitado. Fico teclando com dificuldade. Meu corpo já desistiu. Ele sabe o que vem pela frente e não quer estar aqui quando o futuro se apresentar. Um 'tchau' singelo pra não mostrar desespero. A vontade seria gritar minhas vontades. Não falta coragem, no fim deste dia de merda.

Coragem sobra. O que falta é egoísmo.