4.2.09

Escafandro

O quarto era branco quando eu cheguei aqui. As flores eram novas, e seu vaso era transparente. A cama tinha lençóis limpos e travesseiros macios. A TV funcionava perfeitamente, pegava uns duzentos canais, quase não tinha intervalos comerciais. Meus pés pareciam tão alcançáveis, apesar de não poder tocá-los com a ponta dos dedos da mão. As pernas não eram sentidas, mas isso iria passar, os médicos tinham fortes esperanças. Os médicos tinham esperança e as janelas eram limpas. Minha família me visitava uma vez por dia. Quando as flores começaram a ceder à gravidade, eles vinham a cada dois dias. Quando a TV passou a só captar a transmissão VHF, eles vinham uma vez por semana. E assim que meu calcanhar começou a necrosar, eles passaram a vir somente quando a emergência exigia, normalmente após eu ter sofrido alguma convulsão ou algo semelhante.

Quando a ponta dos dedos dos pés passaram a estar a uma distância quase inalcançável, eu comecei a sentir medo. Minha garganta doía sempre que eu acordava, eu não conseguia salivar, dormindo de boca aberta, sempre com medo. Eu passei a ser um móvel indesejado no hospital. Eu não conseguia mexer os braços, e sequer emitir sons. Meu cabelo caía e a minha barba dominava meu rosto; tentava por diversas vezes subir pela maçã do rosto para chegar aos olhos, em vão.

As cortinas não eram trocadas, e eu passei a ver nelas pinturas formadas pelas manchas de mofo. Via no topo um velho segurando um cajado, com um cachimbo na boca; meio caído pro lado, soltando uma nuvem de fumaça.
Abaixo tinha uma pantera caolha, que lambia as presas. Uma pantera caolha sem rabo.
Na ponta mais próxima de mim tinha um duende, desses de desenhos animados, com nariz e orelhas pontudas. Um gorro no topo da cabeça, e quatro dedos em cada mão.

Meus companheiros durante as semanas que eu passei ainda lúcido.
Em seguida, vieram os vultos, os fantasmas, as sombras. Então eu não aguentei.
Minha traquéia expelia pus e sangue. Em dois dias eu estava morto, com serragem dentro do meu intestino. Nunca fui tão feliz.